“Portanto, tudo o que vós quereis que os homens vos façam, fazei-lho também vós
a eles; porque esta é a lei e os profetas.” Mt 7:19.
O texto acima é um texto comentado por Caio Fábio em resposta a uma curiosa
pergunta de alguém: “Qual é o limite, a referência “basta”, para o mandamento de
fazer aos outros o que queremos que os outros nos
façam.” Caio Fábio é dono de uma intelectualidade e saber bíblico
impressionantes. Fui seu discípulo (lendo seus livros, através da rede satélite
e ouvindo suas fitas e vendo seus vídeos) tanto em homilética como em
hermenêutica nos dias em que ele era considerado o grande evangelista
brasileiro. E lembro me de que em uma crise ministerial-espiritual eu o chamei e
ele me aconselhou muito bondosamente por mais de uma hora no telefone, após qual
conversa, eu pude compreender algumas coisas como estar “burned out” (muito
estressado) ministerialmente e como em certas ocasiões, até mesmo oração se
torna uma fonte de depressão. Quando o “império” de Caio caiu com a sua “queda”
pessoal, eu achei que ele foi tratado injustamente, até mesmo por si mesmo. Se
houvesse menos hipocrisia e menos moralismos para tratar com as “quedas de
pastores”, o trabalho maravilhoso que ele vinha fazendo não teria que ser
derribado. E, diga-se de passagem que nenhum outro evangelista se levantou de
âmbito nacional que tome o lugar de Caio. Tendo me mudado para os Estados Unidos
e acompanhado todo o problema à distância e esporadicamente, somente
recentemente voltei a interessar-me por seu trabalho. Acessei o seu site, ouvi
algumas de suas mensagens e notei que Caio Fábio havia mudado. Minha impressão é
que ele rompeu com a etiqueta evangélica e decidiu ser o que realmente quer ser.
Vi nisso um Caio Fábio liberado, mas também vi em Caio Fábio algumas mudanças
que foram difíceis de aceitar (mas aceito) algums que considero como liberação
ou progresso, mas também outras como uma diluição e desfocalização do saber de
outrora. Alguns dos seus artigos, têm aparecido na minha página do Facebook
através de outros amigos, e quando tenho tempo os leio. Ao ler o artigo em que
ele reflete no versículo acima, à guisa de responder outrem, de novo senti essa
impressão de diluição e desfocalização, e do Caio de antes, só encontrei o
intelectualismo.
Ciente de que o discípulo nunca é maior que o mestre (por que nunca posso
superar o Caio Fábio, meu mestre no passado) gostaria de deixar alguns
pensamentos sobre o mesmo texto apontando alguns aspectos não tocados pelo
grande mestre de outrora, talvez trazendo alguma luz no denso intelectualismo
exarado em sua explicação. Em minha opinião, Caio Fábio, ao analisar esta
passagem bíblica, divorciou-se da exegese e perdeu-se na retórica.
Passemos agora, ao texto propriamente dito, Mt 7:19. Primeiramente,
identifiquemos o contexto em que esse versículo aparece no Evangelho de Mateus.
O texto pertence à mais famosa unidade dos Evangelhos, o chamado “Sermão do
Monte”. Alguns estudiosos têm concordado que a proposição-mestra do Sermão do
Monte se encontra nessas palavras: “Pois
eu vos digo que, se a vossa justiça não exceder a dos escribas e fariseus, de
modo nenhum entrareis no reino dos céus.” Mt 5:20. Lembremo-nos que este é o
primeiro dos cinco sermões apresentados no Evangelho de Mateus aos quais o autor
ou autores-editores claramente deu ou deram prioridade, desde que os demais
materiais extraídos de outras fontes foram evidentemente abreviados para dar
lugar a estes sermões. E, dentre os cinco, pelo posição (primeiro) e pelo
tamanho (o maior de todos) o Sermão do Monte claramente se distingue dos demais,
como reprodutor do cerne da mensagem de Jesus.
Contudo,
sabemos que esta é uma construção artificial do Sermão Monte, o qual, sem
dúvida, reflete o cerne do ensino de Jesus, mas não é a réplica ou a
transcrição do sermão pronunciado por Jesus naquela ocasião. Prova disso são as
suas diferentes versões em Mateus e Lucas. Assim podemos supor que além dos
ensinos de Cristo, alguma sabedoria proverbial daquele tempo também foi
introduzida como sendo de Jesus. O Sermão do Monte pode ser facilmente dividido
nas três partes clássicas do discurso: Introdução (5:1-16), Exposição
(5:17-7:12), e Conclusão (7:13-27). Cada uma dessas partes do sermão é
desenvolvida de maneira similar. Na introdução, a atenção dos ouvintes é
assegurada através do pronunciamento de máximas breves, simples e poéticas que
chamamos de as “As Bem-Aventuranças”, destacando a frase “Bem aventurados”. A
seguir, ainda na introdução Jesus especifica a quem sua mensagem é dirigida, aos
presentes, as quais ele identifica como “sal” e “luz”. Na sequência, o sermão
entra no assunto propriamente dito que é a proclamação do Evangelho tendo como
pano de fundo a Lei e os Profetas. No corpo do Sermão do Monte podem ser
distinguidas duas outras partes principais, a primeira, de 5:17-48, pode ser
denominada uma Expansão da Lei para servir aos ensinos mais elevados do
Evangelho; a segunda, de 6:1-7:12, que eu chamo de Injunções Diretas do
Evangelho. Observe-se que o autor faz uso de frases de efeito para separar cada
uma dessas partes da exposição e claramente encerrá-la, passando à conclusão.
Essas frases, que em Homilética chamamos de “frases de transição” são os
versículos 5:48, “
Sede vós, pois, perfeitos, como é perfeito o vosso Pai celestial.”,
e, o versículo que desejamos estudar nesta oportunidade,
7:19 “Portanto,
tudo o que vós quereis que os homens vos façam, fazei-lho também vós a eles;
porque esta é a lei e os profetas.”, que de natureza ampla como o
anterior,conclui com um pronunciamento da visão geral do Evangelho a respeito da
Lei e dos Profetas. As partes da Conclusão são compostas de materiais diversos
explorando um estilo parabólico em contraste com o mais sapiencial de antes,
talvez de origem tardia, quando a igreja já estava organizada e infiltrada por
ensinos outros que aqueles pregados pelos apóstolos. Assim a conclusão assume um
tom de precaução alertando os ouvintes sobre quatro perigos: de não se
esforçar-se o suficiente, dos falsos mestres, da insinceridade quanto fazer a
vontade de Deus e quanto a não ouvir as palavras de Jesus, provavelmente a única
parte da conclusão que reflete as palavras conclusivas de Jesus na ocasião.
Tendo discernido a estrutura do Sermão do Monte, agora podemos adequadamente
localizar o texto em questão (7:19) e tentar determinar a sua natureza. Como
dissemos, o texto pode não ter sido originalmente pronunciado pelo Senhor Jesus
na ocasião em que ele proferiu o Sermão do Monte, pois parece ser um recurso de
apresentação do discurso para fazer a transição da Exposição para a Conclusão.
De fato, o conteúdo sapiencial é derivado da Lei Mosaica, do mandamento “Amarás
ao próximo como a ti mesmo”, portanto não sendo original do ensino de Jesus. É
evidente no Sermão do monte que Jesus está fazendo uma comparação entre Lei e os
Profetas (antigos) e o seu Evangelho. Para finalizar o sermão o autor ou
autores-editores de Mateus sumarizam como o Evangelho de Jesus vê a prática da
Lei e dos Profetas. Portanto devemos esclarecer que este versículo não faz parte
das Expansões nem das Injunções que Jesus fez no seu sermão. É, na verdade um
comentário quanto à aplicação da Lei e dos Profetas, não necessariamente um
ensino do Evangelho de Jesus. Desta maneira, a função deste versículo no Sermão
do Monte é, claramente homilética não didática, e como tal, pode ser extraído
do todo sem prejuízo ao conteúdo, e, assim, devemos estudá-lo em seu próprio
mérito, como comentário (possivelmente rabínico) à Lei e aos profetas, uma vez
que, como disse acima não reflete o ensino específico de Jesus, mas uma opinião
sumarizada da prática da lei e dos profetas. O que quero enfatizar é que este
versículo não traz um ensino caracteristicamente de Jesus. O ensino de Jesus é
vinho novo; não é uma simples explicação ou repetição da lei e dos profetas. No
Sermão do Monte os ensinos de Jesus ou expandem a Lei e os Profetas ou dão
injunções novas que são características do seu Evangelho que tem por medida
ética, não o que o indivíduo quer para si mesmo, mas o Deus quer para todos os
seus filhos.
Agora estudemos o versículo propriamente dito. Primeiramente, é preciso
descobrir qual é a mensagem específica deste versículo. O contexto, que cremos
ter sido artificialmente imposto, não nos ajudará muito. Por isso, temos que
examinar as evidências internas para chegar a essa identificação. Identificar a
natureza geral do versículo pode nos ajudar nesta tarefa. O versículo responde
uma pergunta crucial ao judeu: Como obedecer a lei e os profetas? A lei com
todos os seus muitos e detalhados preceitos, e os profetas com as suas múltiplas
e diferentes exortações, eram certamente um peso ao religioso comum, nas
palavras de Paulo, um “jugo que os pais não suportaram”. Este versículo
apresenta ao religioso comum, sem o conhecimento detalhado da lei e dos
profetas, como cumpri-los sem se preocupar com os seus muitos detalhes. É,
então, uma máxima sapiencial, um princípio vivencial, um atalho prático à
obediência da Lei e dos Profetas. O segredo para isto é tratar o próximo como
você mesmo gostaria de ser tratado. É o que veio a ser conhecido como a “Regra
de Ouro” da Vida.
Contudo, não esqueçamos que embora muito prática e valiosa, a Regra de Áurea
não é Evangelho. O Evangelho de Jesus vai além da Regra de Ouro, cuja a medida é
a vontade humana. Na verdade, Jesus nos ensina a renunciar a nossa própria
vontade para fazer a vontade Deus.
Caio Fábio identifica a motivação da Regra de Ouro, como apresentada neste
versículo: é a retribuição, a esperança de que você será bem tratado, se tratar
bem aos outros. Neste caso, tal motivação seria, digamos, um tanto quanto
egoísta, pois visa ultimamente o benefício próprio. Contudo, eu creio que o
objetivo da Regra de Outro não é utilizar nosso egoísmo como padrão, mas sim
promover em nós a consciência de que nossos semelhantes são dignos de receber
pelo menos o mesmo tratamento que gostaríamos de receber.
O reino de Deus possui ideais mais elevados do que amar ao semelhante baseado no
seu amor-próprio. O evangelho nos convida a olhar para o Amor de Deus por nós,
especialmente revelado na pessoa de seu Filho, Jesus Cristo. O evangelho nos
convida a estarmos comprometidos a fazer a vontade de Deus, mais do que a nossa
própria. Se seguirmos o exemplo de Jesus colocaremos o próximo antes mesmo que a
nós mesmos. Portanto, para o Evangelho não é suficiente tratar o próximo como eu
gostaria de ser tratado, mas sim tratá-lo como Deus quer que eu o trate. O
Evangelho nos convida a amar o próximo pelo que cada um é, não como um reflexo
do que somos. O Evangelho deseja que nos aproximemos de nossos semelhantes, que
os conheçamos pessoalmente com as suas necessidades pessoais, que podem ser
diferentes das nossas próprias. Por estas razões o Evangelho ultrapassa a Regra
de Ouro que supostamente nos ensina como cumprir a Lei e os Profetas. O
Evangelho nos ensina a obedecer a Vontade de Deus exemplada na vida e nos
ensinos de Jesus Cristo.
Em respondendo a pergunta, qual o limite para ajudar ao próximo segundo o
princípio da Regra de Ouro, Caio Fábio revela uma curiosa preocupação com a
prevenção do abuso por parte de quem se ajuda, como um sub-produto prejudicial,
tanto para quem ajuda como para quem é ajudado. O limite da Regra Áurea é claro:
ajude o próximo o quanto você ajudaria a si mesmo. Você é a medida. Mas para o
Evangelho, o limite é a vontade de Deus, como expressada nos ensinos e na vida
de Jesus, e aí encontramos a pujante declaração evangélica de que
sabendo Jesus que já era chegada a
sua hora de passar deste mundo para o Pai, como havia amado os seus, que estavam
no mundo, amou-os até o fim. Jo 13:1.
No evangelho o limite da ajuda não é enquanto você queira, como vemos na Regra
Áurea, é enquanto você viva, durante toda a sua vida, até o fim, como Jesus fez.
É verdade que Jesus não deixava que as pessoas abusassem da sua boa vontade,
para satisfação de ambições egoísticas. Quando os irmãos Boanerges vieram a ele
pedindo que lhes prometessem o privilégio de, no seu reino vindouro, sentarem-se
um à sua esquerda e um à sua direita, Jesus lhes ensinou o princípio do serviço
“maior o que serve”, e lhes disse a verdade, que sentar-se à sua direita e
esquerda era para aqueles aos quais estava destinado. Jesus sempre identificou a
real necessidade do individuo e sempre ministrou neste sentido. Por tanto, ele
nunca se recusou a ajudar o próximo. Ele disse: “Dá a quem te pede, não recuses
a quem lhe pede empresado”.
Assim, qual é o limite para se ajudar o próximo? Segundo a Lei Áurea esse limite
é deixado à discrição de cada um, é o quanto você queira. Segundo o Evangelho, é
a vontade de Deus que nos ensina em Jesus a colocar o próximo em primeiro lugar
e nunca cessar de fazer o bem. Segundo o evangelho, é durante toda a sua vida,
como Jesus fez e ensinou.
Contudo, ajudar o próximo não significa sempre lhes dar o que pedem. Muitas
vezes as pessoas querem soluções mágicas para problemas que requerem educação de
vida. O jovem rico tinha expectativas equivocadas quando se aproximou de Jesus
pedindo ajuda em como entrar na vida eterna. Ele queria uma solução rápida e
talvez fácil. Mas Jesus lhe mostrou que se quisesse a vida eterna tinha que
dedicar a sua vida para esse propósito. “Vende tudo que tens, dá aos pobres, e
depois, vem e segue me”. Jesus, amando-o, lhe mostrou qual era a parte dele e
assim que fizesse isso, Jesus faria a sua, o receberia como discípulo e lhe
ensinaria em como “ganhar a vida eterna”. Muitas vezes, nossa ajuda é apenas um
paliativo para nossa consciência. Não queremos compromisso real; dar o dinheiro
pedido é mais cômodo do que envolvimento real e “fazer discípulos”. Como o jovem
rico que recusou a proposta de Jesus, muitos recusarão a ajuda real que
oferecemos, basicamente por que ainda não estão convencidos de suas necessidades
reais.
Nem todos quererão tomar vantagem de você. Alguns nem mesmo lhe pedirão ajuda,
cabe a você discernir as necessidades deles e lhes ajudar, o que para eles, as
vezes, será algo inesperado. Jesus perguntou ao cego, “Que queres que eu te
faça” ele respondeu “Que eu veja, Mestre”. Jesus não passou a lhe fazer um
sermão a respeito da importância maior da luz espiritual no coração, etc, etc...
Ele simplesmente lhe devolveu a visão. À viúva de Naim que chorava
desconsoladamente no seu caminho para sepultar o único filho, Jesus se aproxima
e lhe diz: “Não chores!” e lhe dá a razão para não chorar: lhe devolve o filho,
ressucitando-o. A quem tem fome, se dá comida, não filosofia!
Assim, nossa ação ética é diferente se seguimos a Lei Aurea, ou se seguimos o
Evangelho. Não me entendam mal. A Regra Aurea é valiosíssima. Se todos a
observassem, nosso mundo seria muito, muito melhor. Contudo o projeto de Deus
para o nosso mundo é o reino de Deus, onde se vive não de acordo com a Regra
Áurea, mas de acordo com o ensino e o exemplo de Jesus para fazer-se a vontade
de Deus. A Regra Áurea impõe um limite para sua ajuda ao próximo. O seu amor a
você mesmo, como a Lei e os Profetas também o fizeram. Mas o evangelho não tem
limites para se fazer a vontade de Deus. É compromisso de vida.
E, para finalizar, deixe me oferecer também o meu atalho para a vontade de Deus.
A minha máxima que acredito traz o segredo de se fazer a vontade de Deus em uma
“nutshell”. Muitos querem servir a Deus para fazer a vontade de Deus. Mas muitos
não entendem que não podemos servir a Deus. Deus per Se, não precisa de nós. Nem
mesmo a Adoração ele demanda de nós; é, ao contrário, uma consequência de
conhecermo-Lo pessoalmente; Deus não precisa de nada, e tudo que Ele faz é por
amor às suas criaturas. Portanto, nós, criaturas de Deus, somos a prioridade de
Deus, e, se queremos realmente servir a Deus, devemos colocar o bem do nosso
semelhante antes mesmo do nosso próprio. Servir a Deus, fazer a vontade de Deus,
portanto, é servir ao próximo.
Rev. Jose Oliveira
O Rev. Jose Oliveira é um ministro presbiteriano, fundador e diretor do Instituto Teológico Simonton, uma escola teológica online oferencendo programas se Teologia nos níveis Básico, Bacharel e Mestrado. Se você estiver interessado em estudar Teologia Online, clique abaixo:
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